domingo, 20 de setembro de 2020

Empresas especializadas em vender dados pessoais serão “travadas” por nova lei

A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) busca dar ao cidadão brasileiro um maior controle sobre um patrimônio que deveria ser inalienável, as informações pessoais. A nova legislação, apesar de ter lacunas, segundo especialistas, traz clareza sobre o que empresas e governos podem ou não podem fazer com esses dados, de nomes e números de documentos a históricos de compras e de crédito – e até médicos.

Colhidos quase sem critérios até a adoção da LGPD, os dados pessoais de milhões de brasileiros são mercadorias para empresas de vários ramos, de pesquisas políticas à venda de produtos para públicos personalizados.

Pelas regras que entraram em vigor na última sexta (18/9), mas cujas punições (que incluem multas) só começarão a ser aplicadas em 2021, o cidadão passa a ter controle sobre suas informações privadas e pode pedir para consultar o cadastro que empresas e órgãos públicos mantêm com esses dados. Pode-se, inclusive, pedir a correção ou a exclusão dos dados se eles não se encaixarem nas exceções, normalmente atreladas às informações que o Estado guarda.

“Não é que não houvesse lei protegendo os dados, mas a legislação era, claro, anterior à era digital e não tinha mecanismos para responsabilizar abusos. As empresas conseguiam se blindar”, explica o advogado Victor Cerri, especialista em direito civil e vice-presidente da Comissão de Direito Contratual, Compliance e Propriedade Intelectual da OAB/SP.

Ele lembra que qualquer empresa que colha dados dos clientes terá de se adaptar à LGPD, mas que as mais afetadas serão as que trabalham com dados pessoais como principal atividade. “Terão que revisitar seus bancos de dados e submeter tudo aos novos instrumentos. Contatar novamente os titulares dos dados e pedir autorização para o uso, por exemplo”, analisa o especialista.

Em debate com empresas de dados

O jornalista Mario Rosa faz um relato contundente sobre o que assegura ter sido mau uso de dados seus por empresas que reúnem informações individualizadas e as vendem para outras empresas, como bancos, imobiliárias e lojas – que usam essas informações para decidir se vão ou não vender um serviço ou contratar um funcionário.

Após encontrar problemas para contratar um financiamento apesar de não ter dívidas, Rosa conta ter conseguido, graças ao setor em que trabalha, acesso às fichas que duas grandes empresas do setor mantêm sobre ele, a Neoway e a Risk Money.

O profissional mostrou as fichas à reportagem do Metrópoles. A da Neoway o vincula a seis processos na Justiça, dos quais três, criminais, e a da Risk Money centra o perfil no fato de ele ter sido indiciado pela PF no âmbito da “Operação Acrônimo“, acusado de integrar um esquema de corrupção vinculado ao ex-governador mineiro Fernando Pimentel (PT).

“O problema é que eu nunca fui condenado nem sequer me tornei réu nesses processos, só fui investigado, e o MPF não me denunciou no caso da Acrônimo. Os outros dois processos são de 1991, há três décadas, e relacionados ao meu trabalho jornalístico, mas que acabaram em acordo proposto pela parte que processou”, explica ele. “Mas, nessas fichas não têm esses desfechos, elas dão a entender que são processos atuais”, completa o comunicador, que explicou o caso em detalhes em artigo no site Poder360.

Para Rosa, mesmo com a LGPD, falta transparência no ramo da captação de dados. “Vivemos uma situação absurda, parecida com o que ocorria na ditadura com o SNI [Serviço Nacional de Informações], que tinha relatórios que não se sabe de onde vinham e podiam comprometer a sua vida. Mas agora tudo feito pelo capitalismo”, reclama ele, que vê esse setor ainda imune a um regramento mais duro.

“Há uma distopia entre os fatos e a realidade e eu só soube porque tive a sorte de ter acesso. E outras pessoas que estão sendo negativadas por erros, sem saber disso?”, questiona o jornalista

 

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